Resumo: Com o advento da Convenção Americana de Direitos Humanos em 1969, documento que estabeleceu normas internacionais de Direitos Humanos na América Latina e seus principais órgãos Comissão Interamericana de Direitos Humanos e Corte Interamericana de Direitos Humanos, compondo o denominado Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos (SIDH), tem-se a criação e desenvolvimento do ius constitucionale comune, que impacta de forma transformadora a ordem normativa interna dos Estados nacionais da América Latina e sua relação com atores internos. Com efeito, o presente artigo tem por objetivo demonstrar como o SIDH impacta de forma transformadora e sua relação, muitas vezes não linear, com os Poderes constituídos dos Estados-parte e seus órgãos responsáveis pela realização da justiça, produção dos atos normativos e administração executiva. Outrossim, atores relevantes para o sistema interamericano, como as organizações de Direitos Humanos, são avaliados, por meio de pesquisa já realizada em três países latino-americanos.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. ius constitucionale comune. Atores internos.
Abstract: With the advent of the American Convention on Human Rights in 1969, a document that established international human rights standards in Latin America and its main bodies Inter-American Commission on Human Rights and Inter-American Court of Human Rights, making up the so-called Inter-American System for the Protection of Human Rights (IASHR), there is the creation and development of the ius constitutionale comune, which has a transformative impact on the internal normative order of Latin American national states and their relationship with internal actors. Indeed, this article aims to demonstrate how the IASHR has a transformative impact and its relationship, often non-linear, with the constituted Powers of States Parties and their bodies responsible for the realization of justice, production of normative acts and executive administration. Furthermore, relevant actors for the inter-American system, such as Human Rights Organizations, are evaluated through research already carried out in three Latin American countries
Keywords: Human rights. Inter-American System for the Protection of Human Rights. ius constitutionale comune. Internal actors.
1. Introdução
A proteção dos Direitos Humanos na esfera interna dos países das Américas é tarefa do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIDH), criado pela Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) em 1969, composto por dois órgãos principais: Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH).
O SIDH, desde sua criação e atual estágio de desenvolvimento, vem se firmando como um importante mecanismo para proteção e garantia dos Direitos Humanos no contexto latino-americano. As últimas reformas nas normativas de funcionamento dos seus órgãos – Comissão e Corte Interamericanas – o acréscimo dos Estados que passaram a se sujeitar à jurisdição do Sistema, devido à ratificação os tratados interamericanos, somando-se à decisões e recomendações que impactam diretamente na ordem político-jurídica dos países que as implementam, vêm afirmando o sistema de proteção dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), um mecanismo único, diferenciando-o dos demais sistemas existentes, em comparação ao sistema europeu, por exemplo.
Face ao ainda recente processo de democratização nos países da Américas do Sul e Central, o SIDH se tornou elemento chave na consolidação atual regime de Direito, vocacionado à proteção dos Direitos Humanos, estabelecendo aos Estados a adoção de medidas preventivas e/ou repressivas à violação dos Direitos Humanos e impactando diretamente nos órgãos internos dos Estados, notadamente na administração da justiça, legislativo e executivo.
Tal impacto tem seu fundamento no desenvolvendo de um corpo jurídico comum latino-americano, constituído pelas normas internacionais e a formação de uma jurisprudência do SIDH composta pelas sentenças da Corte Interamericana e recomendações da Comissão Interamericana. Tais mandamentos internacionais constituem o denominado ius constitutionale commune, capaz de impactar nos sistemas constitucionais nacionais de forma transformadora, com o escopo de construir um bloco comum de constitucionalidade, formado pela simbiose entre os tratados internacionais de Direitos Humanos, as sentenças e recomendações da CorteIDH e CIDH conjuntamente com as normas constitucionais e infraconstitucionais nacionais por meio das suas cláusulas de abertura.
Toda essa dinâmica de funcionamento e estrutura normativa transformadora somente é possível devido a atuação de agentes transformadores que acionam, interagem e articulam com o SIDH, notadamente Organizações de Defesa dos Direitos Humanos (ODH), advogados e advogadas, acadêmicos e a sociedade civil organizada, bem como a atuação dos órgãos internos nas mais diversas esferas do poder instituído seja na judiciária, nos órgãos deliberativos de origem das leis ou pela administração executiva nos Estados.
Mediante pesquisa bibliográfica e com fonte primária, por meio do estudo de sentenças da Corte Interamericana e relatórios da Comissão Interamericana, o presente estudo apresenta a análise da literatura nacional e internacional sobre o tema, expondo as razões e fundamentos acerca da relação entre o SIDH e atores internos e suas consequências para proteção e efetividade de direitos à luz do corpus juris interamericano.
A literatura estudada auxilia na caraterização do denominado ius constitutionale commune e sua consequente relação com os próprios órgãos do SIDH e os problemas identificados para cumprimento das medidas de reparações em diferentes níveis do Estado. Por fim, a referida caracterização não ficaria completa sem análise dos atores que acionam o SIDH. Para tanto, utiliza-se a pesquisa desenvolvida por Par Engstrom e Peter Low em três países da América Latina: Peru, Colômbia e Brasil.
2. considerações sobre IUS CONSTITUCIONALE COMUNE na américa latina
A estrutura dos sistemas de proteção de Direitos Humanos mundial e regional é centrada no superprincípio da dignidade humana e de forma multinível, considerando a esfera nacional e internacional (BORGES; PIOVESAN, 2019, p. 06).
O Direito Constitucional contemporâneo tem oportunizado maior abertura às normas internacionais de proteção aos Direitos Humanos, a fim de absorver e ampliar o seu leque de proteção aos tratados internacionais e também a jurisprudência das cortes internacionais, ampliando assim o diálogo frutífero para integração do Direito interno com o Direito Internacional dos Direitos Humanos (BORGES; PIOVESAN, 2019, p. 07-08).
Nesse contexto, desenvolveu-se a concepção de um corpus iuris interamericano, no qual a Convenção Americana de Direitos Humanos impõe aos ordenamentos jurídicos dos Estados, a observância de suas normas e a realização de um controle de convencionalidade, o que permite a adequação nas normas internas à CADH e equalização dos níveis de proteção de Direitos Humanos (MAC-GREGOR, 2017, p. 327-332).
O processo de internacionalização dos Direitos Humanos ocorre como uma etapa no processo de redemocratização em diversos Estados nacionais e reflete na absorção nos textos constitucionais desenvolvendo assim o conceito de Bloco de Constitucionalidade, impulsionando a abertura para o diálogo e multinível de proteção de Direitos Humanos (BORGES; PIOVESAN, 2019, p. 09-11).
A partir da noção de Bloco de Constitucionalidade, os Estados passam a absorver as normas internacionais nas próprias constituições, abrindo, assim as portas ao Direito Internacional dos Direitos Humanos e a chave para abertura desta porta são as formas de incorporação dos tratados previstas nas respectivas constituições (PIOVESAN, 2012, p. 157).
O SIDH impõe a junção entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos, por meio dos Tratados Internacionais e das decisões da CorteIDH e das recomendações da CIDH, com as Constituições nacionais, permitindo um controle convencional e multinível de proteção de Direitos Humanos e formação inevitável de um diálogo para harmonização entres o âmbito nacional e internacional, conformando assim em um Bloco de Constitucionalidade e fundamento do ius constitutionale commune da América Latina (ICCAL) (BORGES; PIOVESAN, 2019, p. 09-12).
A noção de Bloco de Constitucionalidade e abertura às normas internas aos ditames da CADH e a jurisprudência do SIDH permite aos juízes nacionais, que realizem o controle de convencionlidade para elevação dos patamares de proteção e conformação das normas internas com o corpus iuris interamericano (BORGES; PIOVESAN, 2019, p. 12).
De certo que, somente é possível a implementação deste ius constitutionale commune, a partir do constante diálogo entre os sistemas nacionais e interamericano.
Destaca-se que as bases teóricas para ius constitutionale commune surgiram a partir de iniciativas acadêmicas e aqui destaca-se um projeto realizado no Instituto Max Planck em Heidelberg Alemanha, à luz de dois princípios fundamentais: o diálogo e o pluralismo jurídico (RAGONE, 2016, p. 457). Pelo referido projeto, foram estabelecidos os paradigmas do ius constitutionale commune dos Direitos Humanos, com a teoria do constitucionalismo transformador ao contexto latino-americano, a qual pressupõe o fortalecimento do princípio democrático, do Estado de Direito e da proteção dos Direitos Humanos. A fixação de tais paradigmas são fruto de fóruns de discussão e debates sobre temas relacionados à América Latina.
O pluralismo jurídico é a premissa de interação entre os níveis internacional e nacional, que cria um sistema multinível de proteção dos Direitos Humanos, onde a defesa interamericana é complementar quando a interna falha. De outra banda, o diálogo é o princípio fundamental para construir uma colaboração profícua entre os dois níveis, evitando ou reduzindo atitudes de confronto (RAGONE, 2016, p. 458).
Deriva-se do ICCAL, que a abertura dos ordenamentos jurídicos nacionais latino-americanos ao Direito Internacional afeta e transforma a essência do constitucionalismo, se expressando em artigos das Constituições nacionais, buscando, assim o desenvolvimento comum dos Estados na América Latina (RAGONE, 2016, p. 458). Ele estabelece uma orientação comum para interpretação latino-americana de princípios constitucionais e desenvolvimento de um discurso jurídico regional, cujo objetivo é o fortalecimento do princípio democrático, do Estado de Direito e da proteção dos Direitos Humanos.
Esse corpus iuris se desenvolveu em um contexto Latino Americano, caracterizado por grandes diferenças sociais e econômicas e sistemas políticos marcados pelo "hiper-presidencialismo", pela predominância do poder executivo em relação aos demais poderes que compõem os Estados nacionais (RAGONE, 2016, p. 459-460).
Tal concentração de poder causa um desequilíbrio entre os atores institucionais dos Estados, o que permite movimentos em reação a este desnível, tais como o denominado "ativismo judicial" (RAGONE, 2016, p. 460), resultado do desequilíbrio institucional, onde se cria a ideia de que os órgãos judiciais têm a capacidade de impulsionar mudanças sociais.
Dentro desse contexto latino-americano, tem-se os órgãos do SIDH em funcionamento, em momentos diferentes da história da OEA, mas que guardam uma relação com o contexto histórico vivenciado, adequando suas decisões a agenda de Direitos Humanos do momento.
Nesse sentido, a atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos se desenvolveu de forma diferente durante diversas etapas implementação. Inicialmente, se concentrou em violações graves e sistemáticas perpetradas por regimes ditatoriais e em conflitos violentos. Em um segundo momento, se concentrou em processos de transição para a democracia de diferentes países, notadamente quanto a temática quanto a lei de anistia em regimes pós-ditatoriais. E, em uma fase mais recente, em direitos diversos concernente em velhas e novas questões, tais como, exclusão social e grupos vulneráveis, bem como a ampliação para diversas temáticas, exemplo: indígenas, mulheres, crianças, migrantes, etc. (RAGONE, 2016, p. 460).
3. O SISTEMA INTERAMERICANO E suA RELAÇÃO COM ATORES INTERNOS
O SIDH, ao desempenhar seu papel de aplicador e interprete da CADH, cuja estrutura é voltada a garantia de direitos e elevação dos níveis de proteção dos Direitos Humanos, à luz do ICCAL, impacta nos sistemas jurídicos internos e com reflexo nos agentes internos, cujo mecanismo principal é a criação de um diálogo interamericano, na busca de soluções e consolidação de um desenvolvimento comum e consolidação do próprio Estado de Direito.
Assim, o SIDH influencia a atuação de agentes pertencentes às estruturas de poder do Estados-parte da CADH, especialmente, nos Poderes constituídos, seja Judiciário, Legislativo e Executivo. Esse impacto ocorre de diversas formas, que se configura de acordo com o nível de poder afetado e o local na região (RAGONE, 2016, p. 457).
A relação entre o SIDH e os órgãos responsáveis pela administração da justiça interna dos Estados-parte, por exemplo, é muito importante, por pressupor que uma interação frutífera juntamente ao judiciário nacional, venha a contribuir com a construção de um ius constitutionale commune em matéria de Direitos Humanos (RAGONE, 2016, p. 461).
O Poder Judiciário exerce o controle de convencionalidade, a partir de um diálogo realizado entre normas internacionais e o sistema jurídico nacional em uma perspectiva horizontal, o que impõe a compatibilização entre ambos os sistemas, no sentido de harmonizar os padrões nacionais e internacionais para a maior proteção aos Direitos Humanos e vertical no sentido de desenvolver a jurisprudência interna que absorva os padrões internacionais (RAGONE, 2016, p. 461), revelando os dois princípios fundamentais do ICCAL: o diálogo e o pluralismo jurídico.
Para a implementação do ius constitutionale commune no âmbito do Poder Judiciário, são estratégias importantes a sensibilização dos Juízes nacionais sob uma perspectiva preventiva e, posteriormente, de efetividade do funcionamento do sistema. Tais estratégias também servem para evitar a responsabilidade internacional do Estado e, principalmente, elevar os níveis de proteção dos Direitos Humanos e, em caso, de eventual reconhecimento de responsabilidade do Estado e consequente condenação, criar um ambiente onde a execução das sentenças faça parte da cultura jurídica (RAGONE, 2016, p. 461).
Existem muitos desafios para a realização do controle de convencionalidade em um Estado-parte, passando desde a cultura jurídica do país, a abertura às fontes internacionais de Direito, bem como a resistência e mentalidade dos juristas "cripto-tipos" (RAGONE, 2016, p. 462).
O fortalecimento do diálogo horizontal com a valorização da jurisprudência interna pode operar como uma verdadeira "revisão dialética", criando uma consciência de que é dever dos juízes nacionais observar o corpus iuris interamericano, incluindo nisso a jurisprudência do sistema interamericano.
Por sua vez, quanto à jurisprudência do sistema interamericano, impende-se destacar a ampliação e fortalecimento do diálogo horizontal, revelada pela tendência de que as decisões da Corte e as recomendações da Comissão e seus efeitos impactam outros sistemas jurídicos nacionais, os quais não são diretamente afetados por uma decisão do SIDH (RAGONE, 2016, p. 462-463).
O SIDH também impacta no Poder Legislativo, pelo fato de que as decisões da Corte Interamericana e as recomendações da Comissão Interamericana tem o poder influenciar modificações normativas nos Estados-parte, com o objetivo de harmonizá-las com os tratados interamericanos ou elevar os níveis de proteção normativa (RAGONE, 2016, p. 464).
A Corte Interamericana de Direitos Humanos não determina a anulação de uma norma nacional considerada contrária a CADH, contudo, impõe ao Estado condenado a obrigação de realizar reforma na legislação ou mesmo em sua Constituição, no que for contrário a norma internacional (RAGONE, 2016, p. 465). São exemplos de impactos desta natureza em sistema jurídicos internos (RAGONE, 465) os casos Claude Reyes y otros vs. Chile, o qual impactou em alterações legislativas para garantir o direito de acesso à informação; "La Última Tentación de Cristo" (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile, que provocou modificações na Constituição e o caso Gomes Lund e outros ("Guerrilha do Araguaia") vs. Brasil, relativamente a lei de anistia (RAGONE, 2016, p. 465).
Outro efeito de ampliação do diálogo horizontal é quando a declaração de não convencionalidade de uma norma de determinado Estado nacional causa impacto em outro Estado nacional, que possui normas semelhantes, acarretando na mudança normativa também neste Estado não diretamente afetado pela decisão; a exemplo do que ocorreu na Resolução de supervisão de cumprimento do caso Gelman vs. Uruguai (2013) (RAGONE, 2016, p. 466).
Por outro lado, importa aqui destacar o impacto das decisões da Corte Interamericana e das recomendações da Comissão Interamericana na alta administração de um Estado Nacional.
O chefe do Poder Executivo tem um papel relevante no cumprimento das decisões e elemento chave na relação com os organismos internacionais, notadamente no componente político, como o agente representante do Estado integrante da Organização dos Estados Americanos (RAGONE, 2016, p. 467).
O agente responsável pela administração superior de um Estado possui papel estratégico para o cumprimento das reparações decorrentes de condenações provenientes de decisões do SIDH. Ele é o ator que tem a função de dar cumprimento a várias medidas de reparação como pedidos de desculpas, publicação de decisões, grandes reformas estruturais e etc (RAGONE, 2016, p. 467).
No cumprimento das decisões e das recomendações, é o chefe do executivo que se expõe à opinião pública, quando realiza as medidas de reparação de impactos estruturais internamente, dando também seguimento ao cumprimento gradativo das medidas.
Não obstante tal papel central no diálogo com os órgãos do SIDH, aspecto sensível está relacionado aos Estados-partes que expressam resistência a favor da supremacia dos padrões nacionais e consideram as condenações como ingerência indevida à ideia de soberania. Em contraponto justamente ao que é proposto pelo ius constitutionale commune que, por sua vez, se propõe uma equalização entre os sistemas internacional e nacional para garantir uma proteção multinível, elevação do patamar de proteção onde for deficitário e prevalência dos níveis mais elevados de proteção, tudo mediante um diálogo horizontal (RAGONE, 2016, p. 467).
Por tais razões, a relação entre o Poder Executivo e o SIDH é delicada e muitas das vezes tensa, posto que chefes da administração executiva dos Estados reagem às determinações da CorteIDH e da CIDH de forma conflituosa, criando embaraços ao cumprimento e a ponto de ameaçar a retirada do sistema interamericano. Algumas dessas estratégias de tensões são classificadas enquanto categorias e algumas dessas tipologias se apresentam como as mais comuns (RAGONE, 2016, p. 467).
Como categorias, tem-se a estratégia de saída ocorre quando os Estados denunciam a Convenção e abandonam o sistema interamericano, o que ocorreu, por exemplo, com Trinidad e Tobago (1998) e Venezuela (2012); estratégia de tensão, movimento de choque caracterizado pelo discurso de ameaça de saída do SIDH, a qual Peru, Bolívia, Equador e Brasil já manifestaram; estratégia de terceira via, onde o Estado Nacional afirma que não aceita a condenação internacional e, posteriormente, o Tribunal Constitucional nacional declara a inconstitucionalidade da lei, por meio da qual o Estado havia anteriormente aceitado a jurisdição da CorteIDH, precedente já ocorrido com a República Dominicana após a sentença no Caso de Pessoas Dominicanas e Haitianas Expulsas vs. República Dominicana (RAGONE, 2016, p. 467).
Ao lado do impacto perante os agentes estatais internos, o SIDH oferece um importante espaço político transnacional para o ativismo da sociedade civil na região, incluido aqui Organizações de Direitos Humanos (ODH), advogados e advogadas, militantes e universidades.
O impacto do Direito Internacional dos Direitos Humanos reside, também, no potencial dos Direitos Humanos para alterar as dinâmicas das políticas nacionais e proporcionar aberturas para os atores da sociedade civil, oferecendo importante espaço político transnacional para o ativismo da sociedade civil na região (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 24-25).
O desenvolvimento do SIDH criou importantes oportunidades para a advocacia transnacional nas Américas. O acesso individual ao sistema interamericano tem se fortalecido à medida que ele tem evoluído gradualmente para um regime judicial, com foco processual na força da argumentação jurídica e na geração de jurisprudência regional de Direitos Humanos (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 25).
O fortalecimento dessa atividade promove impacto do sistema interamericano em sua dimensão material, onde abra novos horizontes políticos e oportunidades, bem como gera aumento dos fluxos de recursos para a defesa dos Direitos Humanos. Como impacto em âmbito interno, o peticionamento internacional pressupõe promoção de formação pelas Organizações de Direitos Humanos, uso de ferramentas discursivas para um enquadramento eficaz na política e termos socialmente relevantes, assim como facilitação de alianças, novas identidades e Estados (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 25).
As instituições internacionais, a exemplo do sistema interamericano, criam espaços e arenas políticas para os atores não estatais se organizarem e mobilizarem.
Existe uma tendência das ODH recorrerem a mecanismos internacionais quando as autoridades internas não são tão receptivas quanto as demandas. (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 25).
A articulação entre os atores é muito importante para a mobilização perante o SIDH, a fim de se obter resultados positivos e ampliar oportunidades.
A configuração de atores, um termo que engloba aliados, adversários, movimentos contrários e o público em geral, pode moldar a estrutura de oportunidades políticas de forma a facilitar ou restringir a mobilização social e o alcance do sucesso nas demandas de acordo com (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 26). Assim, o autor elenca algumas influências diretas: o equilíbrio de poder; o caráter dos conflitos internos; apoio público; oportunidades políticas e entre outros.
As organizações têm ao seu alcance oportunidades transnacionais, que o sistema interamericano oferece para tentar impor sanções internacionais ao Estado, em caso de violações sistemáticas de direitos, permitindo, assim, buscar justiça em casos individuais como estratégia para forçar mudanças políticas, jurídicas e institucionais mais amplas nos Estados em questão (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 26).
As organizações podem utilizar o sistema interamericano, como estratégia para exposição de sistemáticas e institucionalizadas violações de Direitos Humanos, com o escopo de utilizar os mecanismos de constrangimento para pressionar os Estados a realizarem mudanças positivas (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 26).
O SIDH possibilita o diálogo sobre questões de Direitos Humanos com os governos, alterando assim a dinâmica do processo político no que diz respeito à formulação, implementação e desenvolvimento de políticas públicas. Com efeito, as Organizações, por exemplo, podem tentar negociar com instituições estatais por meio dos procedimentos de soluções amistosas fornecidos pela CIDH (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 25-26).
O sistema de direitos humanos regional em apreço pode envolver e articular alianças entre grupos de defesa de Direitos Humanos e atores estatais, além de conferir legitimidade às Organizações locais, tornando suas reivindicações mais convincentes para seus potenciais constituintes, audiências e alvos mais amplos. Em particular, as normas, os standards e os princípios do sistema interamericano fornecem um arcabouço legal para identificar um problema como de Direitos Humanos, um ator e ou uma instituição responsável e um remédio jurídico, em suma, um quadro discursivo para os ativistas pressionarem os Estados a adotar reformas (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 26-27).
As ODH encontram no sistema interamericano um campo propício para articulação com diversos outros atores e para a utilização de mecanismos de proteção, como o sistema de casos, para tanto necesitam ampliar a capacidade técnica e profissionalismo, bem como o trabalho de articulação perante os órgãos componentes do SIDH, a fim de obter resultados positivos na promoção de direitos (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 26-27).
Destaca-se a atuação de ODH tais como o Center for Justice and International Law (CEJIL), organização profissionalmente preparada, com grande capacidade de articulação e litígio internacional, com sede em Washington, D.C. nos EUA, local estratégico para articulação lobby na CIDH (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 28).
O litígio promovido por ODH perante o SIDH apresenta diferentes graus de participação e engajamento, de acordo com a origem da entidade, destacando-se aqui estudo estatístico comparativo realizado por ENGSTROM e LOW entre organizações provenientes do Peru, Colômbia e Brasil, apontando perfis de atuação diferentes, tanto na quantidade e forma, entre os anos de 1999 a 2014 (2019, p. 30-36).
Conforme esse estudo, as ODH provenientes da Colômbia foram os que mais consistentemente utilizaram o sistema interamericano, com 74% das petições envolvendo pelo menos uma organização, em segundo lugar ficou situado o Brasil, com uma peculiaridade, dos 48 casos levantados, houve a participação de 56 organizações, ou seja, em temos comparativos há uma maior quantidade de entidades peticionantes do que o número de casos. Enquanto que no Peru, o envolvimento de ODH está em 31% dos casos (2019, p. 32-35).
Registra-se ainda que a presença de ODH internacional foi mais fortemente observada no Brasil, mencionando-se a participação do CEJIL, responsável por 15 casos no período (2019, p. 28; 35). Por seu turno no Peru e na Colômbia, houve prevalência na atuação das ODH nacionais (2019, p. 35).
Os litigantes dos três países incluíam tanto ODH nacionais, como ODH internacionais que trabalham em diferentes âmbitos de incidência. No entanto, o equilíbrio entre as duas variava muito entre os países. A presença internacional foi muito mais acentuada no Brasil, onde se constata forte atuação do CEJIL. Em contraste, na Colômbia e no Peru, as ODH locais são a maioria enquanto que os organismos internacionais desempenharam um protagonismo menor no processo de apresentação de petições. As razões para tais diferenças repousam sobre aspectos sociológicos em cada país, segundo ENGSTROM e LOW (2019, p. 35-36).
Em resumo, os dados confirmam que os níveis e padrões de participação de ODH apresentam grande variação, notadamente em termos do número de participação de organizações no quantitativo geral de casos apresentados e a origem das entidades, se nacionais ou internacionais (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 35-36).
Tratando de forma específica sobre o perfil de peticionamento dos casos envolvendo o Brasil, de acordo com os referidos autores, não obstante o elevado nível populacional e complexidade da sociedade brasileira, o Estado brasileiro encontra-se entre os mais baixos demandantes da América Latina (2019, p. 46).
As possíveis causas para a baixa demanda seriam a que Brasil reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana somente em 1998, baixa adesão pelas autoridades brasileiras diante das recomendações da CIDH, a existência de órgãos internos responsáveis pela promoção direitos, tais como o Ministério Público, que acabam por absorver parte das demandas da sociedade (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 46-47).
Contudo, há um grande interesse por parte das ODH brasileiras no SIDH, que é incentivado por organizações internacionais tais como, CEJIL e Justiça Global, esta criada em 1999, com atividades destinadas a articulação internacional (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 47-48).
Como exemplos de resultados de impacto decorrentes de atividades de organizações como o CEJIL e Justiça Global estão a construção de um memorial às vítimas do massacre do Carandiru; recomendações ao Brasil no caso Maria da Penha; sentenças de Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) e Damião Ximenes Lopes (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 48).
Não obstante os resultados positivos e o incremento no número dos litígios, as demandas ainda são aquém do esperado e os prováveis motivos seriam a desconexão cultural do Brasil com os outros países da América Latina, maior frequência de acionamento de sistemas globais como a ONU, forte resistência do Estado e baixa cooperação por parte do Poder Judiciário (ENGSTROM; LOW, 2019, p. 48-49).
Observa-se aqui, quanto a atuação de organizações de defesa dos Direitos Humanos que exercem um importantíssimo papel perante o SIDH, enquanto peticionantes para a obtenção de resultados positivos e possuem configuração diferenciada do local de origem das demandas ora concentrada em organizações nacionais ou internacionais.
4. Conclusão
O SIDH é um meio de promoção de direitos e se propõe impactar positivamente nos Estados-parte, a fim de elevar os níveis de proteção aos Direitos Humanos. Senso que para alcançar este objetivo, existe um sofisticado e complexo mecanismo envolvendo aspectos teóricos, práticos e articulação entre diversos atores, tais com o desenvolvimento da concepção do ius constitucionale comune, a atuação de órgãos internos e o envolvimento de organizações da sociedade civil.
O desenvolvimento do corpus juris interamericano do ius constitucionale comune na América Latina permite o desenvolvimento de estrutura jurídica para impactar os Estados-partes, no âmbito de suas normas internas, com base no pluralismo jurídico, ou seja, com a convivência entre as normas internacionais e nacionais, permitindo assim um diálogo para equilibrar os níveis de proteção de Direitos Humanos, operacionalizado por meio do controle de convencionalidade realizado tanto pelos órgãos do sistema interamericano, como pelo juízes nacionais.
Os agentes internos dos Estados-parte são direta e indiretamente impactados pelo ius constitucionale comune, visto que tanto os tratados internacionais interamericanos, quanto as decisões proferidas pelo SIDH forçam a observância, por parte dos poderes nacionais constituídos, notadamente o executivo, legislativo e judiciário, de uma mudança de postura com alterações normativas e tutela jurisdicional de direitos. De certo que esta relação não é totalmente harmônica ou isenta de tensões, mas, a ampliação de direitos disposta pelo SIDH, permite que os Estados reconheçam uma amplitude de direitos e impacte diretamente no acesso à justiça e promoção de Direitos Humanos.
Para a realização desta tarefa de implementar o ius constitucionale comune e seu impacto nos Estados-parte, é essencial a atuação de organizações de defesa dos Direitos Humanos, a sociedade civil e a academia, atores essenciais à atuação, mobilização e articulação do sistema interamericano.
Como apontado acima, a participação de ODH ocorre de diversas formas, sendo os resultados obtidos bastantes positivos, restando para as organizações locais brasileiras, maior autonomia de peticionamento, em comparação com a realidade de organizações locais de outros países da América Latina.
5. REFERÊNCIAS
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MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. The Conventionalitty Control as a Core Mechanism for the Ius Constitutionale Commune. In: BOGDANDY, Armin von; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; ANTONIAZZI, Mariela Morales; PIOVESAN, Flávia (Org.). Transformative Constitutionalism in Latin America: the emergence of a New Ius Commune. Oxford: Oxford University Press, p. 321-336, 2017.
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Mestrando em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, EVANDRO DE AGUIAR. O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e a atuação dos atores internos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 out 2022, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /59367/o-sistema-interamericano-de-proteo-dos-direitos-humanos-e-a-atuao-dos-atores-internos. Acesso em: 29 dez 2024.
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